sábado, 6 de dezembro de 2008

O que dizer a nossos filhos?

Maria L. São Thiago (Tribuna da Imprensa Online)

"Minha terra tem palmeiras / Onde canta o sabiá". Este é o Brasil? O poeta Gonçalves Dias, que nele acreditava, e estes versos escreveu para a fama, morreu durante um naufrágio, nas costas do Maranhão, quando o navio quase aportava, morreu aos quarenta e um anos, voltando do estrangeiro, sem conseguir chegar a alcançar o Brasil, sua terra.

Já o poeta Fagundes Varela, que morreu de tanto beber, de tanto desencanto, caído numa noite de temporal em uma sarjeta qualquer, pouco antes de falecer em casa, aos trinta e quatro anos, o país que ele deixou escrito foi este: "Embora o sopro ardente da calúnia / Crestasse os sonhos meus / Nunca descri do bem e da justiça".

Cresci ouvindo minha mãe e minhas tias falarem numa possível descendência da família que passava por Fagundes Varela, mas nunca tive ouvidos suficientes para isso, na verdade nunca me interessei pelo que pudesse ser confundido com o que a aparência das coisas pode correr o risco de ostentar. Mas, hoje, que já passei pela terra da infância, que já me esqueci de todas as velhas histórias que minhas tias nem contam mais nos aniversários que fazem, porque algumas até já se foram, hoje que eu estou na casa dos quarenta anos – o que era tão distante de mim na infância – , hoje que desci do apartamento onde moro, tão longe de minha história, hoje quando fui comprar a Tribuna da Imprensa no jornaleiro da esquina, e li: "Essa Tribuna vai parar momentaneamente" , pensei em meio às ruas com seus carros
gritando: Fagundes Varela. É. Preciso hoje desesperadamente descender de seu sangue, mesmo que só continue lembrando as más línguas das sarjetas, pois quero em alguma parte de mim, em algum lugar inalcançado, misterioso, em algum lugar recôndito do meu mais fundo, quero que eu possa encontrar algum resquício do que é: "Nunca descri do Bem e da Justiça". Pois eu ainda quero crer.

Eu ainda quero dar o bem e a justiça para o meu filho e não apenas palavras embaladas num desenho animado e nas quais só um super-herói de animação acredita. Eu preciso dar ao meu filho, vejam bem, um país onde se possa encontrar algum tipo de bem e de justiça, porque eu, como meu pai na minha infância, prometi a ele um mundo de homens e mulheres de bem. Fomos nós, eu e meu parceiro, que concebemos este filho, quem o trouxe à luz, agora como posso desligar a luz dele?

Sim, porque ontem, ao chegar em casa sem o jornal e com a notícia de que a Tribuna da Imprensa depois de sessenta anos, vinte um mil e novecentos dias, iria ter de parar momentaneamente, fui pega no desconcerto pelo meu filho, que me perguntou de chofre: "mas mãe, como é que um jornal que está lá no meu livro de História do colégio, pode não ter justiça dentro desse país?"

A Tribuna da Imprensa fez justiça com a história do nosso país, veio relatando-a com a maior autenticidade possível sem dobrar-se faustianamente a qualquer instituição que seja, ela deu voz a quem permanecia sem escuta. Então como a justiça pode negar-se agora a si própria? O que vamos responder aos nossos filhos, aos nossos netos que ainda continuarão a ler nos seus livros de História tal qual está lá que: "A imprensa foi personagem importante na polarização dos debates políticos da época, principalmente o jornal Tribuna da Imprensa (...)"? O que vamos dizer a eles, que deixamos perecer com a justiça uma parte de nós?

O que eu desejo para o meu filho, o que milhões de pessoas no mundo inteiro desejam, se amam de fato seus filhos, é que eles, como o poeta, nunca precisem descrer do bem, descrer da justiça.
Porque descrer me parece ser a pior sarjeta em que se pode cair.

Vamos lá, Rio de Janeiro, vamos lá Brasil inteiro, vamos lá, as vozes de toda a imprensa, no reino de qual gaveta deixaremos guardada mofando a nossa justiça desta vez e sempre mais?
http://oficiodescrita.blogspot.com/
ms.thiago@bol.com.br

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Ainda o passado da mídia golpista (Argemiro Ferreira - Tribuna da Imprensa Online)

Haveria mais reflexões a fazer sobre os quase 60 anos da TRIBUNA e o papel submisso da imprensa golpista, que se acha valente hoje na trama contra um governo democrático apoiado por 80% da população mas nos 20 anos da ditadura militar, depois do golpe de 1964 contra um presidente legítimo, aplaudiu cada um dos cinco ditadores que matavam e torturavam (além de censurar a própria mídia).

Da mesma forma como hoje chega ao cinismo de denunciar inexistentes ameaças à liberdade de imprensa, naquela passado sinistro recebia visitas diárias de censores militares à redação e jurava ao mundo, em suas primeiras páginas, haver no Brasil um regime democrático com imprensa livre. E por festejar o falso milagre brasileiro dos ditadores, essa mídia foi premiada com seus atuais impérios.

Os primeiros jornais a desaparecerem depois de 1964 foram "Última Hora" e "Correio da Manhã". Ousaram desafinar no coro da submissão aos novos donos do poder. O caso da "Última Hora" - a cadeia de jornais criada por Samuel Wainer - foi expressivo ter sido a única grande empresa jornalística a repudiar o golpe, já que apoiara o governo João Goulart, derrubado pelos generais.
Da resistência à promiscuidade

O "Correio", ao contrário, era duro na crítica, tendo dado um "Basta!" e gritado "Fora!" em dois editoriais vigorosos. Mas teve o mérito de se indignar contra os excessos e abusos do novo regime, inclusive a primeira onda de torturas. Com o dono da UH exilado em Paris - até inclinado, inicialmente, a fazer concessões para retornar - a responsabilidade da resistência ficou para o "Correio".

O cronista Carlos Heitor Cony agigantou-se no desafio, apoiado pela equipe - Edmundo Moniz, Otto Maria Carpeaux, Márcio Moreira Alves, Hermano Alves, etc, Niomar Moniz Sodré à frente. Esgotada sua fase inicial, o regime reciclou-se com o Ato 2 (fim dos partidos e cassações em seguida à derrota eleitoral de 1965) e o AI-5 de 13 de dezembro de 1968, já sob o segundo ditador (Costa e Silva).

Por causa de sua resistência consequente, o "Correio" passou a viver sua agonia lenta nas mãos de empreiteiros ligados ao regime (os irmãos Alencar-Bobagem), que o arrendaram para obter favores oficiais e adoçar negociatas. Na mesma data do Ato 5, o "Jornal do Brasil" lançou então seu desafio histórico, a edição do dia 14, pessoalmente ordenada pela condessa Pereira Carneiro.

Com a prisão do editor Alberto Dines e do diretor José Sette Câmara, o JB recuou. O preço da libertação dos dois foi a rendição do jornal. Encerrou-se então o único desafio real do JB à ditadura. Para a TRIBUNA, determinada a resistir, o 13 de dezembro significou o início de 10 anos de censura - e da sucessão de prisões e confinamentos de Helio Fernandes.
Prédios novos e Brasil grande

O diretor da TRIBUNA fora impedido três anos antes de ser candidato ao Congresso - na mesma eleição que dera cadeiras a dois jornalistas do "Correio" na Câmara e a mais dois na Assembléia do Rio. E enquanto tudo isso acontecia, "O Globo" nada tinha a reclamar. O seu novo canal de televisão ia muito bem, obrigado, em intimidade promíscua com a ditadura militar.

Foi a fase das definições, cada um vendia a alma ao diabo como podia. A "Veja" começava. "O Globo", empurrado pelo parceiro Time-Life, engordava sua TV, porta-voz oficiosa da ditadura. A "Folha de S. Paulo" preparava-se para descobrir a vocação para o poder, através de um dedo-duro residente. O concorrente "Estado de S. Paulo" tinha sua facção no regime, apesar de prejudicado pelas ligações com Carlos Lacerda, em desgraça.

A TRIBUNA, sob censura, ficou isolada - sem qualquer solidariedade dos outros, expectadores omissos. Alternativos novos nasciam e morriam ("Folha da Semana", "Politika", "Crítica", etc.), sem falar no miraculoso "Pasquim", que apostou no ridículo do regime ao nascer, deu um salto para 200, 300 mil exemplares e recuou a menos da metade ao ser vítima de censura e repressão.

"Opinião" nasceu no fim de 1972, quando os jornalões festejavam em seus prédios novos a euforia do Brasil Grande do ditador Garrastazu Médici e omitiam as informações sobre torturas e abusos. Previa-se uma venda de 20 mil exemplares, mas ela cresceu imediatamente para 40 mil, tal era a fome de notícias verdadeiras da parte dos leitores e a sonegação delas pelos jornalões.
A intimidação pelo exemplo

Como a circulação de "Opinião", mesmo sob censura (imposta a partir de seu número 8), se mantinha, o jornal viu o castigo ampliar-se com censura mais devastadora - a cargo do Centro de Informações do Exército (CIEx) em Brasília. A receita serviria ainda, depois, para outros que se atrevessem a imitar o exemplo - "Ex", "Extra", "Movimento", "Reunião", "Versus", "Argumento", "Coojornal", "Em Tempo", etc.

Os jornalões fizeram os piores papéis (deles, só Estadão e "Veja" chegaram a ter censura direta). O JB foi ao extremo de entregar à Polícia uma primeira página inteira para as "confissões" de um espião da CIA, Adauto Santos, infiltrado no PCB (até a diagramação viera pronta). E quando o ex-deputado Rubens Paiva morreu de tortura o JB fez ao regime o favor de assumir como sua a versão oficial de que fora baleado ao tentar fugir.

O diretor-presidente M. F. Nascimento Brito não hesitou em sair pelo mundo a negar (até como diretor da Sociedade Interamericana de Imprensa) que havia censura no Brasil. Achava que em troca teria sua rede de TV para competir com a Globo. Mas era impossível bater a subserviência dos Marinho, cuja façanha maior fracassaria em 1982 - a fraude para derrotar Brizola no Rio e "eleger" o candidato da ditadura, Moreira Franco, no escândalo Pro-Consult.