Maria L. São Thiago (Tribuna da Imprensa Online)
"Minha terra tem palmeiras / Onde canta o sabiá". Este é o Brasil? O poeta Gonçalves Dias, que nele acreditava, e estes versos escreveu para a fama, morreu durante um naufrágio, nas costas do Maranhão, quando o navio quase aportava, morreu aos quarenta e um anos, voltando do estrangeiro, sem conseguir chegar a alcançar o Brasil, sua terra.
Já o poeta Fagundes Varela, que morreu de tanto beber, de tanto desencanto, caído numa noite de temporal em uma sarjeta qualquer, pouco antes de falecer em casa, aos trinta e quatro anos, o país que ele deixou escrito foi este: "Embora o sopro ardente da calúnia / Crestasse os sonhos meus / Nunca descri do bem e da justiça".
Cresci ouvindo minha mãe e minhas tias falarem numa possível descendência da família que passava por Fagundes Varela, mas nunca tive ouvidos suficientes para isso, na verdade nunca me interessei pelo que pudesse ser confundido com o que a aparência das coisas pode correr o risco de ostentar. Mas, hoje, que já passei pela terra da infância, que já me esqueci de todas as velhas histórias que minhas tias nem contam mais nos aniversários que fazem, porque algumas até já se foram, hoje que eu estou na casa dos quarenta anos – o que era tão distante de mim na infância – , hoje que desci do apartamento onde moro, tão longe de minha história, hoje quando fui comprar a Tribuna da Imprensa no jornaleiro da esquina, e li: "Essa Tribuna vai parar momentaneamente" , pensei em meio às ruas com seus carros
gritando: Fagundes Varela. É. Preciso hoje desesperadamente descender de seu sangue, mesmo que só continue lembrando as más línguas das sarjetas, pois quero em alguma parte de mim, em algum lugar inalcançado, misterioso, em algum lugar recôndito do meu mais fundo, quero que eu possa encontrar algum resquício do que é: "Nunca descri do Bem e da Justiça". Pois eu ainda quero crer.
Eu ainda quero dar o bem e a justiça para o meu filho e não apenas palavras embaladas num desenho animado e nas quais só um super-herói de animação acredita. Eu preciso dar ao meu filho, vejam bem, um país onde se possa encontrar algum tipo de bem e de justiça, porque eu, como meu pai na minha infância, prometi a ele um mundo de homens e mulheres de bem. Fomos nós, eu e meu parceiro, que concebemos este filho, quem o trouxe à luz, agora como posso desligar a luz dele?
Sim, porque ontem, ao chegar em casa sem o jornal e com a notícia de que a Tribuna da Imprensa depois de sessenta anos, vinte um mil e novecentos dias, iria ter de parar momentaneamente, fui pega no desconcerto pelo meu filho, que me perguntou de chofre: "mas mãe, como é que um jornal que está lá no meu livro de História do colégio, pode não ter justiça dentro desse país?"
A Tribuna da Imprensa fez justiça com a história do nosso país, veio relatando-a com a maior autenticidade possível sem dobrar-se faustianamente a qualquer instituição que seja, ela deu voz a quem permanecia sem escuta. Então como a justiça pode negar-se agora a si própria? O que vamos responder aos nossos filhos, aos nossos netos que ainda continuarão a ler nos seus livros de História tal qual está lá que: "A imprensa foi personagem importante na polarização dos debates políticos da época, principalmente o jornal Tribuna da Imprensa (...)"? O que vamos dizer a eles, que deixamos perecer com a justiça uma parte de nós?
O que eu desejo para o meu filho, o que milhões de pessoas no mundo inteiro desejam, se amam de fato seus filhos, é que eles, como o poeta, nunca precisem descrer do bem, descrer da justiça.
Porque descrer me parece ser a pior sarjeta em que se pode cair.
Vamos lá, Rio de Janeiro, vamos lá Brasil inteiro, vamos lá, as vozes de toda a imprensa, no reino de qual gaveta deixaremos guardada mofando a nossa justiça desta vez e sempre mais?
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