Ex-militares tentam barrar relatório da Comissão da Verdade
Para os militares, todos os crimes deveriam ser apurados
Os clubes militares, que representam os militares da
reserva, tentam impedir a divulgação do relatório final da Comissão
Nacional da Verdade (CNV) até pouco antes da data marcada para sua
entrega oficial à Presidência, nesta quarta-feira.
Mas, após seguidas derrotas judiciais, eles próprios admitem que a divulgação do relatório deve acontecer mesmo assim.
Eles argumentam que a "verdade histórica" pode ser
prejudicada pelo documento, que investiga apenas os abusos cometidos por
agentes do Estado, sem se preocupar com os crimes cometidos por
militantes de esquerda. Para os militares, todos os crimes deveriam ser
apurados.
No fim da semana passada, eles tiveram negado pela
Justiça o mais recente de uma série de pedidos de suspensão da
apresentação dos resultados da CNV. Os clubes dizem que estão
reformulando a ação numa tentativa de última hora de ao menos atrasar a
divulgação do relatório, até que o processo seja julgado
definitivamente.
De acordo com vice-almirante Paulo Frederico Soriano
Dobbin, presidente do Clube Naval, combatentes de organizações radicais
de esquerda contrários ao regime militar teriam sido responsáveis pelas
mortes de mais de uma centena de pessoas, a maioria militares.
"As famílias dos 124 brasileiros mortos por essas ações
merecem que a história de seus filhos e parentes sejam contadas também.
Só assim a nação estaria pacificada. A dor de uma mãe que perde seu
filho para a tortura ou para o terror é exatamente igual", diz.
"Assim
como os excessos eventualmente praticados por agentes do Estado, não se
podem varrer para baixo do tapete crimes de morte, sequestros,
justiçamentos (julgamentos e execuções cometidos por guerilheiros contra
os próprios colegas) praticados por aqueles que se confrontavam com
forças do governo."
Após dois anos e sete meses de investigação, a CNV deve
trazer em seu documento final uma relação de mais de 300 nomes de
agentes do Estado acusados de crimes como mortes, torturas e
desaparecimentos de corpos.
A recomendação da comissão, segundo indicou um de seus
integrantes, o jurista Dalmo Dallari, será de que cem personagens ainda
vivos sejam levados a julgamento.
O número de mortos e desaparecidos vítimas do regine
seria de ao menos 420, segundo informação atribuída à CNV durante as
investigações.
Apreensão
A pressão exercida por integrantes da CNV, entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ativistas para que o documento dê origem a futuras punições está gerando um clima de apreensão dentro das organizações militares. As organizações civis argumentam que muitos crimes cometidos naquela época escapam a proteção da Lei da Anistia, promulgada pelo Congresso em 1979.
A pressão exercida por integrantes da CNV, entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ativistas para que o documento dê origem a futuras punições está gerando um clima de apreensão dentro das organizações militares. As organizações civis argumentam que muitos crimes cometidos naquela época escapam a proteção da Lei da Anistia, promulgada pelo Congresso em 1979.
Oficiais de alto escalão das Forças Armadas, ouvidos sob
condição de anonimato pela BBC Brasil, afirmaram que todos os militares
estão acompanhando o noticiário de perto. Mas quem demonstra
preocupação, em geral, são os oficiais mais antigos. Porém, a visão
geral é legalista e a palavra golpe é repudiada.
Segundo essas fontes, uma boa parte dos militares diz
acreditar que recomendações e acusações serão feitas, mas elas não
deverão se traduzir em punições mais sérias. Para eles, no atual momento
de fortalecimento da oposição e de escândalos na Petrobras, o governo
Dilma Rousseff dificilmente abriria uma nova frente de conflito, criando
tensões com os setores militares.
"Criar confrontos ideológicos em pleno século 21 não é
produtivo, é preciso olhar para a frente, não para o passado", afirmou
um oficial general à BBC Brasil.
"Na semana seguinte à divulgação do relatório, a
presidente deve almoçar com os oficiais generais promovidos neste ano, é
um evento tradicional. Espero que o clima seja de dar Feliz Natal e não
de saia justa", disse outra fonte.
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