Existe terror em SP: o dia em que PMs atiraram ante aplausos e pedidos de não violência
- Gustavo Basso/UOLManifestante sozinho observa policiais atirando bombas e balas de borracha contra as pessoas no cruzamento das ruas da Consolação e Caio Prado, no centro de São Paulo
Acompanhei a movimentação dos manifestantes desde a aglomeração em frente ao Theatro Municipal, perto das 16h30. Ali mesmo a tensão já se anunciava com a detenção de um grupo de 40 pessoas, antes do protesto. Vi o momento em que um jovem indagou o porquê da ação, já na praça do Patriarca, e foi arrastado por três policiais militares para junto dos detidos.
Policiais atiram contra pessoas que pedem fim da violência
Ouvi um homem de uns 50 e poucos anos gritar "orgulho, meu" à massa. Massa que, aliás, contou com não apenas jovens, mas idosos, famílias, gente recém-saída do trabalho.
Cenas do protesto em SP
Elio Gaspari: Os distúrbios começaram pela ação da polícia, mais precisamente por um grupo de uns 20 homens da Tropa de Choque, que, a olho nu, chegou com esse propósito Leia mais |
Existe terror em SP: "Fosse você manifestante, transeunte ou jornalista a trabalho, não havia saída pela via nem pelas transversais, todas cercadas pelo Choque. A cada arremesso de bomba, alguém pedia por vinagre ou o oferecia". Leia mais |
Ataque à imprensa: Diversos jornalistas foram feridos e presos pela polícia durante a cobertura do ato. Vídeo mostra que um grupo se identifica e pede para que não seja atingido, mas os policiais ignoram e disparam tiros de borracha e bombas de gás lacrimogênio. Assista |
Vídeo gravado durante os protestos em São Paulo mostra um policial quebrando, com socos, um dos vidros do próprio carro da polícia. Assista |
Na dispersão, uma boa parte subiu pela rua Augusta. Ali, as primeiras barricadas foram montadas com sacos de lixo. Olhávamos da rua Paranaguá, rumo à praça, e a Tropa de Choque se posicionava prestes a subir. Do lado de cima da Augusta, a cavalaria esperava quem quisesse chegar à Paulista.
Idosa 'livra' grupo de detidos na Augusta; grávida passa mal
Vi o momento em que, ainda na Augusta, próximo à rua Peixoto Gomide, pelo menos 50 manifestantes estavam detidos, com as mãos à cabeça, sentados na calçada. Eu, outra repórter e porteiros de um prédio residencial tentamos conter uma idosa que insistia em passar –"eu moro aqui do lado, preciso passar", dizia, com o carrinho de compras --, mas em vão. Na subida dela, os PMs se distraíram, e os detidos correram. Ao menos três bombas rolaram junto com eles.Já na Paulista, o clima era o pior possível. Uma grávida parada perto da estação de metrô Consolação, trancada, chorava e dizia que estava passando mal. Uma repórter pediu a um PM, que parara o carro para checar o que havia, que a levasse. "E daí que você é da imprensa?", ele devolveu, deixando a grávida sentada na calçada. Após insistência de outras pessoas, o carro transportou a mulher.
Dali, a sequência de cenas explícitas de avanço dos policiais sobre quem quer que fosse –"manifestante baderneiro" ou não –seria menos pontual. O avanço da cavalaria com homens do Choque munidos de escudo foi ilustrado por tiros e muitas bombas.
Bombas são lançadas em porta de banco; vinagre é lançado em solidariedade
Junto a um grupo de pessoas que tentava voltar para casa, entrei em uma agência bancária do shopping Center 3 para fugir do gás. Gás lançado, por sinal, diante de aplausos irônicos. Bombas foram lançadas ali mesmo, na porta da agência. O pânico foi geral.Fosse você manifestante, transeunte ou jornalista a trabalho, não havia saída pela via nem pelas transversais, todas cercadas pelo Choque. A cada arremesso de bomba, alguém pedia por vinagre ou o oferecia –na imensa maioria das vezes, ofertas feitas ou recebidas por completos desconhecidos entre si. Recebi muito vinagre nas mãos e na blusa.
Um jovem me deu a única garrafa d'água que tinha: o gás desidrata ao extremo e não era a primeira vez que eu o absorvera. "Toma, você precisa mais do que eu". Difícil esquecer uma "palavra de ordem" dessas.
PM lança bombas de gás em repórteres e em ato contra violência
Quando tudo parecia caminhar para a dissolução completa, próximo às 22h e apesar das rondas ostensivas de PMs, uma leva de policiais atravessou a avenida a pé e se encaminhou com cassetetes sobre manifestantes que estavam no vão do Masp. O repórter Vagner Magalhães foi agredido por golpes mesmo com a apresentação do crachá funcional e da câmera fotográfica.Reunidos atrás de uma banca de jornais para nos proteger de balas de borracha, eu e outros quatro repórteres vimos PMs de moto avançando sobre pedestres na calçada com xingamentos. Quando olharam para nós, disse que éramos jornalistas em serviço e, segundos depois, responderam à apresentação com três bombas de gás contra nós.
Perto já das 22h40, um grupo veio em passeata com gritos e cartazes de "Sem violência". Foram recebidos com mais balas de borracha e bombas. Os que vieram para o QG da imprensa, na banca que virou escudo, se deram mal: os PMs são mesmo bons de mira e nos acertaram novamente –desta vez, com a destreza da bomba que chegou por debaixo da banca.
Curioso é que, ao menos nas vezes em que presenciei, os ataques da PM vieram depois de xingamentos ("fascista", o mais comum), aplausos irônicos e pedidos de não violência. Não vi as pedras e paus que marcaram protestos anteriores, muito menos qualquer coquetel molotov lançado –um capitão na praça do Patriarca me dissera que, com os detidos, havia desses coquetéis molotov, facas e maconha. Daí a necessidade da detenção.
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14.jun.2013 - Manifestantes realizam protesto contra as tarifas do transporte público na cidade de Curitiba na noite desta sexta-feira. O governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), anunciou nta quarta-feira uma redução de R$ 0,10 no preço das passagens de ônibus da rede não integrada da região metropolitana de Curitiba Franklin de Freitas/Estadão Conteúdo
População classifica ação policial como "catastrófica" e "assustadora"
Ao verem o bloco e a caneta na minha mão, fui parada por pedestres. Geralmente é o repórter quem os quer parar. "Moça, por favor, escreve aí: não sou manifestante, mas a polícia está sendo covarde e atirando a esmo. A PM tem que trabalhar, mas hoje passou dos limites e tratou todos que estavam por aqui como se fossem bandidos", disse a bacharel em direito Carolina Barnes, 26. Ela contou que estava em uma escola na rua Frei Caneca, onde os alunos ficaram "trancados, muito apreensivos".Análises
"Por mais justo que seja baratear a tarifa, suas vantagens são questionáveis se for para ter menos, mais lentos, precários e superlotados serviços de transporte coletivo" Leia mais |
"Tudo se resume em utilizar táticas e arsenal"não letal"para controlar de modo pacífico um distúrbio. O policial tem que ter antes de tudo disciplina, e o policial que quase foi linchado é um perfeito modelo disso" Leia mais |
"Alguém acha que a realidade vai mudar apenas com protestos online ou cartas enviadas ao administrador público de plantão? Desculpe quem tem nojo de gente, mas protesto tem que mexer mesmo com a sociedade, senão não é protesto" Leia mais |
"Atirar só gera mais agressão. Fiquei com muito mais medo de bomba e tiro de borracha do que de qualquer ato de vandalismo que pudesse haver", me relatou o cabeleireiro Magno Firmino, 31. Para o analista de qualidade Alessandro de Paula, 39, "medo" foi a palavra. "Até entendo o papel dos policiais, mas o que fizeram hoje aqui foi assustador."
Vários outros relatos no mesmo sentido foram feitos a jornalistas que cobriam a manifestação, e vários dos participantes do ato nos pediam: "Mostrem aí o que a polícia está fazendo". Acho que em parte é o que fica aqui.
E se o direito de ir e vir sempre é invocado em momentos de grandes manifestações, hoje me ficou nítido, mesmo durante o gás inalado (aliás, como mostrou a cápsula guardada por um morador atingido, gás vencido em 2010), que ele é muito fácil de ser transgredido não só por civis.
Depois de tais cenas estarrecedoras, de homens e mulheres pagos com dinheiro público para nos prover segurança e coibir violência agindo como agiram, espero de verdade que as declarações do ministro José Eduardo Cardozo, para quem "não é legítimo que se pratiquem atos de violência", sejam amplificadamente interpretadas. Porque a sensação de impotência e desrespeito agride, não apenas, quem diria, a Carta Magna do país.
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